MOÇAMBIQUE E AS INCERTEZAS DO CAPITALISMO GLOBAL

Um artigo elaborado pelo Presidente do Conselho de Administração (PCA) da Bolsa de Valores de Moçambique (BVM) Salim Crípton Valá, sobre Desafios para Mocambique 2023-2024, refere que a economia global vive um período de grandes mudanças, com a “velha ordem internacional” sendo questionada e o sistema capitalista passando por transformações profundas. Essas mudanças afectam não apenas as economias e políticas dos países, mas também a vida das pessoas. Em Moçambique, surge a pergunta: o país vai ceder ao medo das incertezas e riscos globais ou aproveitar as transformações para controlar seu destino e promover seu desenvolvimento?

Especialistas apontam que o sistema capitalista, em sua forma actual, beneficia principalmente os países desenvolvidos, como os da Europa Ocidental, América do Norte e Japão, que conseguiram vantagens ao adoptar regras de mercado e promover a industrialização. No entanto, críticas à ordem económica vigente vêm ganhando força, especialmente após a guerra na Ucrânia, que gerou discussões sobre a necessidade de uma nova ordem internacional multipolar. Nesse contexto, de acordo comValá, o bloco dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) tem ganhado destaque, com propostas de alternativas às instituições tradicionais como o FMI e o Banco Mundial.

Em Moçambique, o desafio é aproveitar as oportunidades oferecidas por esse novo cenário global, sem cair na armadilha da dependência externa. Para isso, o país precisa de um Estado forte, capaz de criar políticas económicas autónomas e sustentáveis, que priorizem o desenvolvimento endógeno e a redução da desigualdade. A postura do país nos próximos 25 anos será crucial: se continuará reagindo passivamente às mudanças globais ou se adotará uma agenda proativa, visando ao crescimento e à prosperidade duradouros.

O artigo sugere que Moçambique deve romper com práticas passadas de dependência e fragilidade institucional, abraçando um futuro de maior autonomia e controle sobre seu destino económico. O sucesso dessa trajectória dependerá da capacidade do Estado de implementar políticas eficazes que promovam a estabilidade, coesão social e sustentabilidade ambiental.

Aborda ainda a complexidade do sistema capitalista, suas implicações para países como Moçambique, e os desafios globais actuais, como a crise económica, a pandemia da COVID-19 e o conflito no Leste Europeu.

Discute também as tendências globais e como Moçambique pode explorar oportunidades e superar obstáculos. A reflexão parte de uma análise crítica do capitalismo, que, apesar de suas falhas e disparidades, especialmente no que se refere à crescente desigualdade, é visto por alguns autores como o único sistema económico capaz de se auto-regenerar. No entanto, a incerteza sobre o futuro do capitalismo é destacada, com a ênfase no ciclo histórico de ascensão e queda dos impérios e sistemas económicos, como mencionado por Dalio (2021), que alerta para os riscos do colapso destes modelos.

A discussão envolve igualmente a relevância das políticas neoliberais, como as de Reagan e Thatcher, que defendem a liberdade individual e a meritocracia, mas que têm sido alvo de críticas devido ao foco excessivo no lucro e nas desigualdades geradas.          

Actualmente, conforme o PCA da BVM, é amplamente aceito que os mercados, sozinhos, dificilmente podem promover uma prosperidade sustentável e compartilhada, e que uma economia mais equitativa resulta em melhor desempenho social e econômico. A teoria do “trickle-down” ou “gotejamento”, que sugere que o crescimento econômico beneficia todos, tem sido criticada, pois na prática não gera empregos nem reduz as desigualdades, além de aumentar a instabilidade social. Para alcançar um crescimento inclusivo e sustentável, é necessário um equilíbrio entre mercados privados e intervenção estatal, com políticas que promovam uma economia estável e eficiente. Exemplos de países como Singapura, Coreia do Sul e Malásia demonstram que é possível alcançar prosperidade por meio de um sistema capitalista adaptado às realidades locais, reforçando o papel do Estado e garantindo uma distribuição justa dos benefícios do crescimento.

FALHAS DE MERCADO EXIGEM ESTADOS FORTES

O economista Joseph Stiglitz, citado pelo Valá, em 2019, argumenta que os países mais bem-sucedidos no desenvolvimento económico são aqueles que conseguem responder eficazmente às “falhas de mercado” e “falhas de governo”. Esses países fortaleceram o Estado, tornando-o mais eficiente, ao mesmo tempo em que incentivaram o sector privado a se desenvolver. Uma visão comum, que descreve o Estado como incapaz de assumir riscos e ineficiente, é questionada por economistas como Mariana Mazzucato (2013). Ela defende que, quando o Estado é bem organizado, ele pode ser um parceiro estratégico do setor privado, assumindo riscos que as empresas geralmente evitam. A autora destaca que, mesmo em economias capitalistas como os Estados Unidos, o Estado tem um papel fundamental em apoiar inovações tecnológicas e setores estratégicos.

A ideia de que o mercado deve se auto-regular, defendida por Adam Smith (1776), tem sido criticada por outros economistas como Karl Polanyi (2021) e John Maynard Keynes (1992). Polanyi argumenta que a auto-regulação do mercado é um mito, pois o mercado, sem a intervenção do Estado, frequentemente gera falhas que precisam ser corrigidas. Já Keynes acreditava que a intervenção estatal era necessária para regular os mercados e estabilizar a economia.

No contexto de países como Moçambique, onde a pobreza é significativa e o acesso aos mercados globais é limitado, uma intervenção mais forte do Estado é considerada essencial. A presença do Estado é vista como uma forma de garantir estabilidade económica e social, além de facilitar o crescimento no comércio internacional. A história de crescimento desigual entre África e a Ásia Oriental, desde 1970, mostra que os países asiáticos souberam combinar a força do Estado com um mercado dinâmico, conseguindo avanços económicos substanciais, enquanto muitos países africanos experimentaram um crescimento mais lento.

A globalização e os avanços tecnológicos trouxeram transformações profundas para o mercado de trabalho e a estrutura social global. A crise financeira de 2008, por exemplo, evidenciou falhas do capitalismo, alimentando sentimentos de insegurança e frustração, especialmente entre os jovens e as camadas menos qualificadas da população. Esses sentimentos têm contribuído para o surgimento de movimentos nacionalistas e populistas, como as presidências de Donald Trump e Jair Bolsonaro, o Brexit no Reino Unido e o fortalecimento de líderes autoritários como Erdogan, Putin e Xi Jinping.

Nos países que alcançaram sucesso no desenvolvimento económico, como os “Tigres Asiáticos” e os países do BRICS, foi possível equilibrar a intervenção estatal com a dinamização do mercado. A criação de um ambiente favorável aos negócios, a facilitação de processos para abrir empresas e o acesso a financiamento adequado são exemplos de estratégias que permitiram a esses países prosperar, ao mesmo tempo em que mantiveram um papel ativo do Estado no desenvolvimento económico.

Em resumo, não há uma receita única para o desenvolvimento económico. O equilíbrio entre a intervenção do Estado e a liberdade do mercado depende das circunstâncias de cada país. Para Moçambique, em particular, a actuação do Estado é vista como fundamental para impulsionar a estabilidade social e a integração nas economias globais

 INCERTEZA E PREOCUPAÇÃO DOMINAM A TRAJECTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO NO SÉCULO XXI

O o mesmo artigo aborda que o mundo passou por uma mudança significativa no início do século XXI, com a ascensão de economias não ocidentais, como China e Índia, que superaram a Europa em termos de poder económico. A fragmentação do sistema ocidental, marcada por crises económicas e conflitos geopolíticos, indica um deslocamento do centro de gravidade económico para o Sul Global, particularmente para as economias emergentes. Este movimento está relacionado ao questionamento da hegemonia ocidental e ao crescimento robusto de economias como a China, que deve se tornar a maior economia global nas próximas décadas, apesar das tensões geopolíticas, como as disputas envolvendo Taiwan e a Ucrânia.

Nas últimas décadas, o Grupo dos 7 Emergentes (E7), composto por países como Brasil, China e Índia, tem ganhado influência, enquanto o G7, formado pelas principais potências ocidentais, perdeu espaço. A China, com seu rápido crescimento, lidera esse processo, e a sua crescente influência económica e geopolítica, como a Iniciativa da Nova Rota da Seda, exemplifica essa mudança. A rivalidade entre potências, como os EUA, Rússia e China, e os desafios internos enfrentados pelos países ocidentais indicam uma transformação da ordem mundial, com implicações para o capitalismo e a globalização. Este novo cenário traz tanto oportunidades quanto riscos para países em desenvolvimento, como Moçambique.

 VANTAGENS COMPETITIVAS DE MOÇAMBIQUE NUM MUNDO DE ELEVADA PLASTICIDADE

Para Salim Crípton Valá, a independência política de Moçambique, conquistada em 1975, abriu novas perspectivas para o seu desenvolvimento económico, mas o país enfrentou vários desafios, como calamidades naturais, a guerra interna e a saída de quadros qualificados. Em resposta, o governo adotou uma série de reformas, como a abertura económica, a negociação com a RENAMO, e a adoção do multipartidarismo. Nos anos seguintes, o país experimentou um processo de reconstrução e combate à pobreza, com foco na implantação de infraestruturas e na estabilização socioeconômica, especialmente nas zonas rurais, abrindo-se também para o investimento estrangeiro com projetos como MOZAL e SASOL. A agricultura continua a ser um pilar fundamental da economia, com a maioria da população dependendo do setor para sua subsistência.

Apesar de avanços em áreas como a agricultura e os serviços, Moçambique enfrenta sérios desafios econômicos. A pobreza permanece alta, com 43% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, e a taxa de desemprego é significativa. Além disso, o país luta contra a desnutrição crônica, um elevado índice de analfabetismo e uma infraestrutura de serviços financeiros limitada. Em 2022, o crescimento econômico foi de 4,1%, impulsionado pela recuperação agrícola e pelos altos preços de exportação, mas a inflação e os desastres climáticos impactaram a economia. O Banco Mundial prevê que o crescimento continue, embora com riscos, como a insegurança no norte do país e a volatilidade nos preços globais de alimentos e combustíveis.

O presidente da Bolsa de Valores advoga que Moçambique precisa de um novo paradigma de desenvolvimento que busque diversificar as fontes de crescimento, aumentar a produtividade e gerar mais empregos, especialmente em sectores como agricultura, pescas, indústria e turismo. Para isso, o país deve promover a industrialização, com foco em tecnologias e maior formalização dos negócios, além de melhorar a educação e a infraestrutura. É crucial também investir no potencial dos recursos naturais e nas vantagens competitivas do país, explorando suas riquezas de maneira sustentável e integrada. O sucesso dependerá de um planejamento estratégico, que alinhe políticas fiscais e monetárias, e de uma participação activa de todos os sectores da sociedade, para garantir um crescimento inclusivo e sustentável.


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