
Visita de Cyril Ramaphosa aos EUA: um olhar à postura de Trump
Por: António Foguete
A visita do presidente sul-africano Cyril Ramaphosa aos Estados Unidos, marcada por um frente-á-frente com o presidente Donald Trump, foi muito mais do que uma simples diplomacia de ocasião. Donald Trump não perdeu oportunidade para, em sua própria casa onde se esperava ofecer hospitalidade, cortesia e cordealidade, atacar sob provas infundas o seu visitante.
O facto é que desde o início de 2025, as relações entre África do Sul e Estados Unidos deterioraram-se. Divisões ideológicas, interesses geopolíticos e conflitos internos têm alimentado uma atmosfera de desconfiança entre as duas nações. Nesse contexto, a visita de Ramaphosa deveria ter sido uma oportunidade de diálogo, de reafirmação de laços e de busca por entendimento. No entanto, o que se viu foi uma cena carregada de agressividade, onde o protocolo foi deixado de lado e o respeito foi substituído por ataques e acusações supérfluas.
Trump, em sua postura que lhe é peculiar, não mediu palavras ao tratar de questões sensíveis, como a violência contra farmeiros brancos na África do Sul (Boers). Apesar do presidente sul-africano explicar que esses crimes não têm a ver com questões raciais, mas sim com disputas por terra, Trump insistiu numa narrativa que coloca toda a questão na perspectiva racial, evidenciando uma preocupação que revela uma preferência por uma narrativa que favorece interesses específicos, à custa da verdade e da dignidade humana.
Para quem conhece de perto as dores de uma história marcada por injustiças baseadas na raça, massacres e deslocamentos forçados, que caracterizaram a África do Sul no passado não muito distante, essa postura de Trump soa como uma repetição de padrões antigos de discriminação e negligência.

Não podemos deixar de nos questionar: por que o foco de Trump está apenas na morte de Boers na África do Sul?
Numa tentativa de dar algumas respostas ao inquérito de Trump, Ramaphosa teria explicado que as mortes não eram baseadas em raça mas em posse de terra e que haviam também negros vítimas do mesmo fenómeno, mas Trump já havia feito uma boa selecção de jornais cujas manchetas traziam apenas rostos de farmeiros de cor branca, para fazer valer a sua tese.
A nossa questão de base é que Trump devia ter demostrado também preocupação com as mortes de negros. Mortes de estrangeiros vítimas de violência xenofóbica que ceifou milhares de vidas na mesma terra. Essas mortes, muitas vezes silenciadas ou minimizadas, fazem parte de uma história de dor que também precisa ser reconhecida e combatida ao nível de um presidente como Trump.
Não se pode ignorar o facto de que a posse de terras por brancos, que representam apenas uma minoria da população, é fonte de desigualdade e conflito há décadas na Africa do Sul. Dados oficiais indicam que mais de 70% das terras sul africanas estão nas mãos de brancos, enquanto os nativos negros, que representam a maioria, continuam marginalizados. Estes dados nem se quer chamaram atenção de Trump durante o interrogatório.
Estamos sim a questionar a postura de Donald Trump diante das tragédias que assolam a continente africano, especialmente na África do Sul. A verdadeira preocupação não devia ser dada às mortes de cidadãos brancos, mas sim com a indiferença e o silêncio diante do sofrimento de todas as vidas humanas, independentemente de sua cor ou origem. Infelizmente, a postura de Trump foi marcada por uma visão estreita e parcial, focada apenas na dor dos brancos.
Milhares de estrangeiros, sobretudo moçambicanos, tanzanianos, malawianos, nigerianos dentre outras nacionalidades, foram vítimas de ataques brutais, assassinatos e expulsões na África do Sul. De acordo com o Xenowatch da Universidade Witwatersrand, ataques xenófobos resultaram em 669 mortes até Março de 2024. Essas mortes, foram inclusive alvos de grandes olhos da mídia internacional, inclusive a americana. entretanto estas mortes não mereceram a atenção de Trump no encontro com Ramaphosa.
No mínimo espera-se que um presidente de um pais como Estados Unidos exerça uma influência reconciliadora e pacificadora, promovendo o entendimento e a solidariedade entre os cidadaos de um pais, em vez de actitudes que promovam mais tensão.
Trump foi além. Ousou em questionar a não detenção de Julius Malema, um dos principais líderes da oposição na política sul-africana, alegando que ele seria um dos maiores responsáveis pelas mortes de brancos. Essa intervenção reiterada representa uma intromissão inaceitável nos assuntos internos de um país soberano.
Mesmo o hino revolucionário que Malema gosta de cantar em seus comícios, com o refrão “Kill the Boer, Kill the Famar” não escapou do dedo acusador de Trump. O que devia se saber é que este tipo de cânticos não passa de uma manifestação cultural enraizada na história de resistência africana. Desde a era colonial, quando os nativos eram arrancados à força de suas terras, ou eram submetidos a algum tipo de trabalhos forçados, como era prática nos período colonial, essas canções representam uma expressão de revolta e resistência á opressão e a injustiça e não uma incitação à violência como tal.
Xigubo, por exemplo, é uma dança de arco, flecha e gritos típicos de guerra e celebração, que simbolizam a forma como se oferecia a resistência contra a opressão colonial. Essas manifestações culturais não sugerem, de forma alguma, a vontade de matar ou oprimir, mas representam a memória de lutas e vitórias que marcou nossa história..
Portanto, fica a nossa crítica: que os líderes mundiais, especialmente aqueles com poder de influência, deixem de lado as preferências raciais e se empenhem verdadeiramente na luta pela vida, pela paz e pela justiça. Porque, no final das contas, o que realmente importa é a vida de todos os seres humanos, sem distinção.. sem distinção.s, o que realmente importa é a vida de todos os seres humanos. sem distinção.
