QUEIMADAS DESCONTROLADAS CAUSA PROBLEMAS RESPIRATÓRIOS EM CRIANÇAS

Um estudo conduzido pelo Centro de Investigação em Saúde da Manhiça (CISM) sob coordenação do Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal), avaliou a relação entre as partículas de fumo resultante de queimadas descontroladas e o risco de infecção e internamento hospitalar de crianças no distrito de Manhiça. De acordo com os resultados recentemente publicados na revista The Lancet Planetary Health, apontam que as queimadas descontroladas podem contribuir para a morbilidade respiratória em crianças.


De acordo com o pesquisador do CISM, Jovito Nunes, um dos principais autores do artigo, no distrito da Manhiça, por ser uma área maioritariamente rural em que a agricultura é a principal actividade praticada em todo o distrito, são frequentes os episódios de queimadas descontroladas. “Só que, as emissões de fumo que lhes estão associadas, esses os incêndios têm efeitos negativos na saúde humana e planetária, causando mortalidade e problemas de saúde agudos e crónicos, contribuindo para as alterações climáticas e degradando os ecossistemas, e para as crianças, devido a sua sensibilidade, os efeitos são ainda mais drásticos”, comenta.


Neste estudo, a equipa utilizou modelos e/ou técnicas globais desenvolvidos pelo Instituto Meteorológico Finlandês (IIVR), para estimar os níveis diários da presença de um poluente denominado PM2.5 resultante do fogo no distrito da Manhiça entre 2012 e 2020. O PM2.5 é um poluente que pode resultar tanto de queimadas descontroladas, poeiras e outras acções e que pode causar doenças respiratórias e cardiovasculares, englobando principalmente ataques cardíacos e derrames. Tendo esses dados, a equipa do estudo, que de facto é o primeiro a ser realizado num país de baixo rendimento, comparou com o número diário de consultas e internamentos hospitalares, nos hospitais do distrito de Manhiça, no âmbito do Sistema de vigilância da morbilidade pediátrica gerido pelo CISM, centrado nas crianças com idade igual ou inferior a 15 anos.

Durante o período de estudo, foram registadas mais de 507 000 consultas hospitalares de mais de 79 000 crianças e quase 9 000 internamentos hospitalares de mais de 7 300 crianças. Os resultados mostraram associações significativas entre os incêndios e o aumento das consultas hospitalares de crianças por todas as causas e relacionadas com as vias respiratórias (sobretudo infecções respiratórias superiores agudas), especialmente no próprio dia e no dia seguinte aos incêndios. Especificamente, um aumento de 10 µg/m3 das PM2.5 originadas pelo fogo foi associado a um aumento de 6% nas consultas hospitalares por todas as causas e a um aumento de 12% nas consultas hospitalares relacionadas com as vias respiratórias no dia seguinte.

Os resultados revelaram associações mais fortes nas consultas hospitalares de crianças para os incêndios em terrenos agrícolas (machambas) do que para incêndios em matos. Isto pode dever-se ao facto de, no distrito da Manhiça, as terras de cultivo, principalmente os campos de cana-de-açúcar, estarem mais próximas das áreas urbanas (vilas) do que das zonas rurais.

Um dos pontos fortes deste estudo é que ele aproveita dados de medições de poluição do ar no solo, raramente disponíveis na região, para avaliar a correlação das estimativas do modelo com o PM2.5 total medido. O esforço de monitorização mais recente, realizado em 2021, foi possível graças ao apoio do programa Severo Ochoa à vigilância ambiental na área de estudo.

As crianças são particularmente vulneráveis aos efeitos respiratórios da poluição atmosférica relacionada com a combustão. Alguns estudos associaram o fumo de incêndios na paisagem a um aumento das consultas hospitalares de crianças com problemas respiratórios, especialmente em crianças com menos de cinco anos. No entanto, esta evidência está limitada a países desenvolvidos e pode ter uma generalização limitada para os países de baixo e médio rendimento e devido a diferenças nos determinantes da saúde infantil.

“As crianças da África Subsariana podem ser mais vulneráveis devido ao elevado peso das infecções agudas e crónicas pré-existentes, às deficiências nutricionais, à má qualidade da habitação, à elevada exposição à poluição atmosférica doméstica e à baixa capacidade de adaptação aos riscos ambientais e aos fenómenos meteorológicos extremos”, explica Ariadna Curto, investigadora do ISGlobal e primeira autora do estudo.

Por outro lado, Jovito Nunes, acrescenta “em Moçambique as queimadas descontroladas não são novidade, porém, muitas vezes presta-se mais atenção no seu impacto económico, desflorestamento e agricultura, porém, poucas vezes olha-se ao seu impacto na saúde, deste modo sugerimos aos parceiros locais, sobretudo as indústrias de cana por exemplo, a adoptar medidas cada vez mais eficazes de modo a evitar o risco de infecção e o internamento de crianças devido ao fumo libertado pelos incêndios”.


Categoria: Sociedade

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