
Dayn projecta Moçambique como um hub de inovação africana
“Chamo-me Dayn Amade, sou moçambicano.” Assim começa a história de um homem comum que decidiu fazer perguntas incomuns. Nascido em Maputo, criado numa família com raízes na província de Inhambane, Dayn carrega em si as marcas de um país diverso e de um tempo de transformação. A sua infância foi moldada entre a escola primária 16 de Junho e a Secundária da Maxaquene. Mas foi fora das fronteiras do país que Dayn verdadeiramente despertou para a complexidade da vida. “Na África do Sul, Província de Kwazulu Natal. No colégio interno, percebi o que é a vida”, recorda ele. Ali, longe da protecção dos familiares numa idade tenra, enfrentou regras rígidas, convívio multicultural e o desafio de amadurecer cedo. Era um corpo cansado, mas uma mente em formação.
O percurso académico levou-o até à Midrand University, em Joanesburgo, onde frequentou o curso de Marketing e Gestão de Empresas. Ao regressar a Moçambique, optou pelo caminho de entender os mecanismos por trás do mundo dos negócios.
Estando lá a oportunidade começou por inserir-se em negócios de família depois avançou para o empreendedorismo, fazendo negócios, em pequena escala de mercadorias da África do Sul: dentre tecnologias de informação, roupas, tendo escalado ate a China, em Zuhai que fica na fronteira com Macau, e que o destino era entre Moçambique e Angola.
Mas foi no campo da segurança e tecnologia que encontrou sua primeira grande ideia em 2007. “Nós éramos concorrentes da CarTrack”, explica, com um brilho nos olhos. Com um sistema de rastreamento veicular via SMS, numa era pré-smartphone, a sua empresa permitia bloquear e localizar carros remotamente. A inovação era interactiva, e o impacto, imediato. Trabalhando em parceria com a Polícia de Protecção e empresa de segurança privada para recuperação de veículos, criaram um modelo funcional, real, customizado para as ruas moçambicanas.
Mais tarde, mergulhou também no sector da construção civil, com casas modulares de baixo custo para comunidades desfavorecidas. Foi aí que Dayn viu, com os próprios olhos, a realidade das zonas rurais: a falta de acesso, a exclusão digital e o contraste gritante e com a experiência do seu próprio filho, uma criança de 4 anos que, com um tablet na mão, absorvia conhecimento com espantosa naturalidade.
“Percebi que as crianças das comunidades têm vontade, mas não têm as mesmas oportunidades”, diz ele, quase como quem faz uma denúncia suave. A partir daí, iniciou uma busca pessoal: como levar tecnologia e educação para onde não há sequer energia e que seja de uso abrangente e transversal em comunidades desfavorecidas

A história de Dayn Amade é um testemunho de como a determinação e a inovação podem transformar um problema social em uma solução tecnológica reconhecida globalmente. A trajectória começou de forma quase improvisada, com uma simples pergunta: “Como posso mitigar este problema?”, referindo-se à exclusão digital em comunidades moçambicanas.
Em 2015 fundou uma empresa de comunicação e imagem a base de tecnologia designada Kamaleon, fazendo parte uma equipa jovem dinâmica. “Tínhamos ideias “out of the box” e percebemos que estávamos muito avançados para aquilo que era a realidade de Moçambique na Altura, e reconheço que não fiz o estudo prévio como deve ser. Costuma-se dizer que é no meio das dificuldades que aparecem ideias e nessa altura era como combinar o que tínhamos com algo mais realístico, e veio-me a luz, de como mitigar este problema, nas comunidades desfavorecidas e ai começou a batalha”.

Amade lembra que quando apresentou a ideia a sua equipa, disse logo: vamos avançar estamos juntos, venha o que vier. Foram as palavras do Alberto Pinoca, que está na equipa até hoje.
O que seguiu foi uma jornada intensa, feita de tentativa e erros, que viria a culminar na criação do Tablet comunitário na altura ainda arcaico com funções muito básica: quatro monitores com a função táctil e na altura incorporada no atrelado de uma carrinha de 4 toneladas e tinham como prioridade apresentar na Feira Internacional de Maputo (FACIM), e deu para colher vários subsídios em relação a opinião publica que na altura não perceberam muito bem o que era. Dayn Amade recorda-se que várias vezes foram apelidados de “Lunáticos”, o que era normal, pois não percebiam o alcance.

De acordo com Amade, em 2016, ainda com recursos limitados, sem guião, lembra se ter recorrido ao Youtube para ver se encontrava algo, mas sem sucesso pois era a primeira inicitiva do género mundialmente e dentro de uma garagem, foram persistentes e tiveram desenvolvimentos significativos que foi de adaptar a infra-estrutura móvel numa Reboque, que pudesse ser puxado por veículos de tração motora ou animal, e estavam mais confiantes na altura.
“Intensificamos a nossa busca de parcerias junto das entidades governamentais e não governamentais e tivemos a primeira luz junto do Ministério da Ciência e Tecnologia no âmbito de um programa que tinham designado criando o Ciêntista Moçambicano do Amanhã, felizmente perceberam a ideia e a Dra. Amândia Jotamo líder do programa, perguntou: estão prontos? Em meio de várias incertezas, aceitamos o desafio”, explicou.

O primeiro grande teste, segundo conta, ocorreu em Manica durante 2017, com o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia no âmbito do programa acima citado, financiado pelo Banco Mundial. “Aceitámos o desafio de percorrer Moçambique do Sul ao Centro, num cenário ainda marcado pelo fim recente de conflitos armados. Enfrentando estradas degradadas e postos de controlo intimidadores, chegámos ao destino com vários desafios técnicos por resolver em relação ao estado da própria plataforma, pois era a primeira vez que a mesma estava exposta à realidade”, lembra.
Mas a equipa disse: “Este é o nosso bebé, nós é que fizemos, então vamos resolver”. Conseguiram demonstrar o potencial técnico na mitigação dos problemas, bem como a capacidade de execução no terreno. “Visitámos alguns distritos e escolas locais. O sucesso da missão despertou vários interesses a nível nacional e internacional, abrindo portas para parcerias mais ambiciosas e, acima de tudo, dando-nos segurança e crença naquilo que estávamos a desenvolver.

Daí em diante foi “soma e segue”. A equipa já tinha a moral em cima, e mudaram completamente a estrutura para uma mais abrangente e inclusiva: desde monitores gigantes para alcance em grupo, soluções de videoconferência em grupo e individual, funções tácteis em monitores robustos muito mais avançadas, pontos de acesso à internet e uso de energias renováveis à base de painéis solares, contribuindo também para a redução da emissão de carbono na atmosfera. “Sentimos que já temos um Tablet Comunitário pronto a servir os seus propósitos”.
Acrescentou que esta vertente de uso de energias renováveis despertou a atenção da Agência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO) e beneficiaram de um donativo de 10 kits fotovoltaicos, que foi, para eles, uma grande alavanca.
Durante a pandemia de COVID-19, o projecto ganhou ainda mais relevância ao ser adaptado para disseminar informações sanitárias e oferecer aulas online em comunidades remotas. Com o apoio de figuras como a Mamã Graça Machel, o Tablet Comunitário passou a ser uma ferramenta essencial de comunicação e educação em tempos de crise.
A trajectória de Amade alcançou novos patamares com a integração da sua metodologia à ITU — a União Internacional das Telecomunicações, agência das Nações Unidas. Após um rigoroso processo de avaliação técnica, devidamente escrutinado e representado por 197 Estados-membros, o relatório técnico foi aprovado e publicado em 2023.

Com a participação contínua em grupos de estudo, no início de 2025 a metodologia foi aprovada em plenário da ITU, em Genebra, como um dos padrões oficiais da organização, tornando-se recomendação formal para os 197 Estados-membros que incluem governos, academia e sector privado. Moçambique tornou-se o primeiro país da África Subsaariana a alcançar este reconhecimento.
Dada a sua multifuncionalidade, o Tablet Comunitário sofreu um rebranding e passou a chamar-se SST, uma solução que vai além da educação. Permite serviços de Government , e-commerce, e-banking, e-health sendo possível fazer se diagnósticos e aconselhamentos remotos com auxilio de Inteligencia Artificial, e funciona como ponto de acesso para telecomunicações.
“Imaginemos algo que já é realidade: ter os serviços administrativos diversos à porta do cidadão, incluindo na “última milha”, em zonas completamente remotas e sem infraestruturas ou energia. De referir que com esta solução permite com que o Governo esteja ainda mais próximo do cidadão, sendo também um canal para comícios virtuais e interactivos, onde por exemplo o chefe do estado pode apartir do seu gabinete de trabalho estar conectado a mais de uma Plataforma SST e interagir em vídeo conferência com as comunidades a partir por exemplo das plataformas mais usadas nomeadamente o Zoom ou Teams, “mas temos a nossa própria Plataforma o Chat2 também com Marca registrada” ,diz Amade.

A missão é: vilas digitais e interactivas o que, nos países desenvolvidos, chama-se de Cidades Inteligentes.
Está actualmente, de acordom com Dayn, em curso um projecto-piloto baseado em mobilidade com motores eléctricos, o que permitirá uma maior autonomia, amplificando ainda mais a eficácia da solução.
Com patentes registadas internacionalmente, incluindo na China, e parcerias com gigantes da tecnologia, alguns governos já iniciaram a formalização, mas o Governo da Gâmbia em particular, já adoptou a recomendação da ITU com a assinatura de um Memorando e, dentro em breve, a equipa e Dayn Amade iniciará a sua implementação.
Explicou que tem como ambição desenvolver modelos anfíbios para conectar ilhas como forma de não deixar ninguém para trás, complementando a agenda dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.
“Sem dúvidas que a nossa tecnologia poderá mudar em grande aquilo que é a qualidade de vida nas comunidades”, afirma Amade, que também encoraja jovens empreendedores a protegerem as suas ideias com propriedade intelectual e padrões técnicos internacionalmente aprovados e reconhecidos. “Estou disponível para fazer coaching gratuito, por forma a encaminhar”, completa.
Sua mensagem final é clara: “É possível pôr Moçambique no mapa da inovação tecnológica. Basta que continuem a acreditar em nós” (Júlio Saul).
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