
As Feridas Abertas das Manifestações Pós-Eleitorais em Moçambique
Por : Ana Rodrigues Notice


As recentes manifestações pós-eleitorais em Moçambique deixaram marcas profundas que ultrapassam a destruição física nas ruas. Num país já fragilizado economicamente, a violência e o caos político escancararam as debilidades da democracia moçambicana e lançaram a população num ciclo de medo, perda e desilusão.
O processo eleitoral, que deveria celebrar a vontade popular, transformou-se num ponto de ruptura. As manifestações pós-eleitorais, marcadas por confrontos violentos entre civis e forças de segurança, resultaram em várias mortes — perdas humanas que representam famílias destruídas e um país emocionalmente devastado.
A instabilidade teve consequências severas na economia. Diversas empresas fecharam definitivamente, prejudicadas pelos saques, pela insegurança e pela perda de confiança dos consumidores. Mesmo os negócios que sobreviveram enfrentam uma crise sem precedentes, enquanto a economia informal — sustento de milhares de famílias — também foi gravemente atingida, com bancas destruídas e mercadorias saqueadas.
Menos visível, mas igualmente grave, é o impacto psicológico. Muitos moçambicanos vivem hoje com ansiedade, depressão e stress pós-traumático. A violência vivida e a incerteza quanto ao futuro provocaram um trauma colectivo, especialmente entre jovens e trabalhadores que perderam não apenas segurança material, mas também a confiança nas instituições do país.
Diante deste cenário, é legítimo perguntar: o que falhou? Onde está o diálogo? A ausência de canais de escuta e de resposta às reivindicações legítimas da população enfraquece a democracia. Quando o povo sente que não é ouvido, cresce a frustração e abre-se espaço para o conflito e a radicalização.
Cabe ao Estado reconhecer essas feridas com empatia e agir com responsabilidade. Repressão não pode ser a resposta sistemática ao descontentamento popular. É urgente garantir justiça pelas mortes ocorridas, oferecer apoio psicológico às vítimas e implementar medidas de recuperação económica. O silêncio institucional só agravará o fosso entre governo e sociedade.
Moçambique precisa de reconciliação, verdade e reconstrução. A crise actual deve servir como ponto de inflexão. Os líderes, de todos os partidos, devem colocar o bem comum acima das suas agendas. A democracia não pode continuar a custar vidas, empobrecimento e trauma.
O voto deve ser um acto de esperança — nunca um gatilho para destruição.

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